Apesar de o país registrar avanços na geração de renda e na formalização do trabalho em 2024 e 2025, o hábito de consumo das famílias brasileiras não acompanhou esse crescimento. Este artigo analisa as principais causas desse fenômeno, unindo cifras recentes, impactos regionais e percepções comportamentais para revelar esse paradoxo.
O primeiro trimestre de 2025 trouxe um crescimento de 2,48% no consumo domiciliar em relação ao mesmo período de 2024. No entanto, a intenção de compra registrou queda de 0,2% em fevereiro, sinalizando que os lares estão mais cautelosos. Enquanto a renda média cresce pela melhora no mercado de trabalho — com a taxa de desemprego reduzida de 7,9% para 7% — as famílias não se sentem totalmente seguras para ampliar suas compras.
Esse comportamento reflete a percepção de instabilidade macroeconômica, mesmo diante de resultados positivos. A combinação de dados aquém do esperado na confiança do consumidor e o receio de aumento de preços futuros faz com que as pessoas priorizem a formação de reservas financeiras.
Em 2025, a inflação ainda exerce forte pressão sobre o orçamento familiar. Segundo pesquisa Datafolha, 58% dos brasileiros tiveram de reduzir gastos com alimentação, e 61% diminuíram a frequência de refeições fora de casa. Entre as famílias com renda de até dois salários mínimos, o corte no gasto com comida atingiu 67%.
Outras medidas incluem: redução do consumo de água, luz e gás (50% dos lares), busca por renda extra (47%) e compra de menos remédios (36%). Nesse cenário, a inflação não apenas corrói o poder de compra, mas também reforça a cautela crescente na formação de gastos, sobretudo em itens não essenciais.
Os primeiros meses trazem despesas obrigatórias que comprimem fortemente o orçamento. IPTU, IPVA e material escolar concentram pagamentos elevados logo no início do ano, reduzindo o espaço para consumo.
Essa concentração de desembolsos explica por que, mesmo com renda mensal maior, os consumidores postergam compras de bens duráveis e passeios, preferindo destinar recursos para esses compromissos imediatos.
O endividamento alto é outro fator que freia o consumo. Ao final de 2023, 77% das famílias estavam comprometidas com dívidas, sendo 30% inadimplentes. Em Minas Gerais, esse percentual ultrapassou 52%. Os registros de atraso limitam o acesso ao crédito e impedem a aquisição de bens de maior valor.
O endividamento elevado obriga muitos consumidores a direcionarem parcelas consideráveis da renda ao pagamento de juros e amortizações, em vez de compras de eletrodomésticos, móveis ou viagens.
As estatísticas gerais escondem realidades regionais distintas. Em regiões onde a renda média cresce, como Minas Gerais, o endividamento segue muito acima da média nacional, limitando o consumo real. Já nas classes C, D e E, 59% das famílias pretendem gastar mais em 2025, segundo estudo da ONG Gerando Falcões em parceria com ESPM.
Essas camadas de menor renda são impulsionadas principalmente pela digitalização das compras, utilizando smartphones como principal canal de aquisição. Ainda que existam regiões com potencial de consumo, o acesso ao crédito e a insegurança financeira nivelam para baixo a efetiva expansão nas vendas.
A transformação digital avança mais rapidamente entre as classes de renda baixa. Para 49% das famílias das classes C, D e E, o celular é o canal preferencial de compra. Esse movimento mostra um cliente cada vez mais conectado, mas que converte em compras de menor valor e mais frequentes, reforçando um padrão de consumo responsivo a promoções e prazos.
A digitalização acelerada do consumo cria oportunidades, mas não elimina as barreiras de renda, pois muitas vezes os limites de crédito oferecidos pelos aplicativos são baixos ou com juros altos.
Para que o consumo volte a acelerar, é fundamental buscar alternativas que aumentem a confiança dos lares. Medidas como estímulos fiscais, prazos mais longos para pagamento de impostos de início de ano e políticas de crédito com juros mais baixos podem dar fôlego aos orçamentos.
Além disso, investimentos em educação financeira contribuirão para que as famílias usem recursos extras de forma inteligente, equilibrando poupança, quitação de dívidas e gastos planejados. A expansão de programas sociais também deve ser combinada com agenda de geração de emprego de qualidade.
Em resumo, o Brasil apresenta um crescimento de renda real, mas lida com uma série de fatores conjunturais e estruturais que contenção o consumo. Com políticas bem direcionadas e maior segurança econômica, será possível alinhar renda e gastos, retomando o dinamismo do mercado e o bem-estar das famílias.
Referências